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BREVES COMENTÁRIOS AOS MOVIMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL: DA FALÊNCIA DO CÁRCERE


Ano III, v.3, ed. 2, set./ dez. 2023. DOI: 10.51473/ed.al.v3i2.792 | submissão: 26/11/2023 | aceito: 28/11/2023 | publicação: 30/11/2023


BREVES COMENTÁRIOS AOS MOVIMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL: DA FALÊNCIA DO CÁRCERE


Sérgio Alves Teixeira Júnior


RESUMO

As políticas criminais foram se amoldando no decorrer do tempo, com vistas a melhor e mais eficiente proteção dos bens jurídicos tutelados jurídica e penalmente. Nesse compasso, somente a partir da compreensão do fenômeno criminal é que será possível estabelecer políticas públicas efetivas ao ponto de evitar tanto a ocorrência quanto a reincidência de condutas que atentem conta os bens jurídicos mais caros à sociedade. Destarte, faz-se necessário perpassar pelos principais institutos de políticas públicas, os quais, como já se disse, foram evoluindo de acordo com transformação social e cultural. Nesse sentido, devemos perquirir se as principais ferramentas de política criminal são suficientes e/ou eficazes ao cumprimento da missão para a qual foram criadas.

Palavras-Chave: Política criminal. Movimento Lei e Ordem. Efetividade das penas. Proporcionalidade das medidas privativas de liberdade.


ABSTRACT

Criminal policies have evolved over time, aiming for better and more efficient protection of legally and criminally protected interests. In this context, it is only through an understanding of the criminal phenomenon that effective public policies can be established to prevent both the occurrence and recurrence of behaviors that threaten the most cherished legal interests of society. Therefore, it is necessary to examine the main instruments of public policy, which, as previously mentioned, have evolved in accordance with social and cultural transformations. In this regard, we must inquire whether the primary tools of criminal policy are sufficient and effective in fulfilling their intended mission.

Keywords: Criminal Policy. Law and Order Movement. Effectiveness of Penalties. Proportionality of Deprivation of Liberty Measures.


INTRODUÇÃO


No Brasil, a violência, sobretudo urbana, está no centro do dia a dia e ocupa as manchetes dos jornais. Ela é assunto de especiais na televisão aberta e, mais que tudo, assombra as consciências. De tal forma é ameaçadora, recorrente e geradora de um profundo sentimento de insegurança. Essa evolução é sintoma de uma desintegração social, de um mal-estar coletivo e de um desregramento das instituições públicas.

O Brasil continua a registrar uma queda no número geral de assassinatos em 2023, de acordo com o índice nacional de homicídios baseado em dados oficiais de todos os estados e o Distrito Federal. Nos primeiros seis meses deste ano, houve 19,7 mil assassinatos, indicando uma diminuição de 3,4% em relação ao mesmo período do ano anterior. Roraima liderou a queda, com uma redução de 22,5%, enquanto dez estados, incluindo AC, AL, AP, ES, MA, MG, RJ, RS, SC e TO, apresentaram aumentos nas mortes violentas. O Amapá destacou-se com um aumento de 65,1%. Embora essa redução seja positiva, especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) alertam que o país ainda enfrenta altos índices de violência, com uma média de quase 110 assassinatos por dia no último semestre (FBSP/NEV-UPS, 2023).

Assim como a Colômbia, lamentavelmente conhecida pela carência de um Estado forte e pelas chacinas perpetradas pelos cartéis da droga (Medellin, Cali), entre os países de colonização europeia, o Brasil é o mais atingido pela criminalidade assassina. O que se conhece é apenas a ponta do iceberg. As razões desse extraordinário recrudescimento da violência no Brasil são difíceis de esclarecer. Na realidade, há uma complexa constelação de fatores em jogo e propõe-se aqui um quadro analítico sobre o assunto.

Desse modo, partindo do entendimento do Direito Penal como integrante de um sistema jurídico, o presente trabalho analisa os novos caminhos perseguidos pelas políticas públicas criminais da contemporaneidade no Brasil, fazendo reflexões críticas acerca do chamado Direito Penal de emergência e da crise da hiperinflação legislativa vivenciada atualmente, fundamentadas em estudos desenvolvidos por penalistas do Brasil e do Direito comparado.


2 CONCEITO DE POLÍTICA CRIMINAL


A política criminal nada mais é que o estudo voltado para se frustrar o crime, seja atuando no campo da prevenção ou repressão da delinquência, daí a importância do assunto. Com efeito, objetiva a definição de estratégias de controle social, bem como oferece as críticas e propostas para a reforma do direito penal em vigor visando ajustá-lo aos ideais jurídico-penais de justiça. O sempre atual Prof. João Marcello de Araújo Junior lecionou:


A história do Direito Penal caracteriza-se por uma evolução constante. Cada época possui sua marca, porém, por mais completa que pareça estar a construção doutrinária de um tempo, sempre algo novo surge para agitar, ainda mais, as águas revoltas do oceano criminal. É que o que ocorre no Brasil hoje [...]. Estamos vivendo um momento de renovação político-institucional, de importantes consequências na esfera do Direito Penal, pois este, de todos os ramos do direito, é o mais sensível às modificações políticas (ARAÚJO JÚNIOR, 1991, p. 65).


Dessa forma, a história do Direito Penal é marcada por uma evolução constante, refletindo as mudanças em cada época. No contexto atual do Brasil, estamos vivenciando um momento de renovação política e institucional que tem impactos significativos no âmbito do Direito Penal, uma vez que este ramo do direito é particularmente sensível às transformações políticas. Isso ressalta a importância de uma abordagem dinâmica e adaptável na política criminal para enfrentar os desafios contemporâneos e garantir a justiça na sociedade. Nesse mesmo sentido, Basileu Garcia ensinou:


A política criminal é conceituada, por muitos autores, como a ciência e a arte dos meios preventivos e repressivos de que o Estado, no seu tríplice papel de Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, dispõe para atingir o fim da luta contra o crime. Como ciência, a Política Criminal firma princípios e, como arte, aplica-os (GARCIA, 2008, p. 37).


As palavras de Basileu Garcia (2008) ressaltam a importância e a abrangência da política criminal. Ele a define como uma ciência e uma arte que engloba os meios preventivos e repressivos que o Estado possui para combater o crime em suas diversas dimensões. Como ciência, a política criminal estabelece princípios sólidos e fundamentos teóricos que orientam as ações e políticas relacionadas à criminalidade. Como arte, ela coloca esses princípios em prática, adaptando-os à realidade e às necessidades específicas de cada contexto.

Essa perspectiva reflete a complexidade da política criminal, que não se limita apenas à elaboração de leis e regulamentos, mas também à implementação eficaz dessas políticas na sociedade. Além disso, a política criminal é uma área em constante evolução, pois precisa se adaptar às mudanças na sociedade, nas tendências criminais e nas demandas por justiça, demonstrando assim sua natureza dinâmica e multifacetada.


3 OS CONHECIDOS MOVIMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL


Uma vez ultrapassados os discursos sobre estar o dolo no tipo ou na culpabilidade, mister se faz passearmos numa breve análise sobre as grandes correntes de pensamento de política criminal. Ressalte-se, por oportuno que, antes de chegarmos a escola de Marc Ancel, tivemos que passar pela defesa social na escola clássica; na positiva; passamos pelo pensamento abolicionista; pela análise das relações de poder (Beccaria; Ferri; Lombroso; Garofalo; Foucault). A escola clássica segundo Basileu Garcia (2008, p. 37):


Convém advertir que, quando se fala em Escola Clássica, se está usando uma denominação que não surgiu com essa escola. [...] Mas o título de Escola Clássica foi concebido pelos inovadores que a combateram. Quando apareceu a Escola Positiva, lançada por Lombroso, é que se sentiu a necessidade de conferir designação global àqueles criminalistas do passado que haviam dominado incontrastavelmente a ciência penal. Os positivistas voltavam-se para eles com intenção pejorativa, chamando-lhes — escola de juristas, para sublinhar a contraposição das ideias antropológicas e sociológicas.

Conforme o autor esclarece essa nomenclatura não foi adotada pelos próprios juristas e pensadores dessa corrente, mas sim pelos defensores da Escola Positiva, liderada por Cesare Lombroso. A Escola Clássica da criminologia consistiu em uma abordagem mais tradicional e legalista para entender o crime e a punição, baseando-se em princípios jurídicos e filosóficos estabelecidos.

A criação da Escola Positiva, que se concentrou em abordagens antropológicas e sociológicas para o estudo do crime, trouxe à tona a necessidade de dar um nome a essa corrente anterior de pensamento. Os positivistas, de forma pejorativa, rotularam essa corrente de pensamento como “Escola Clássica” para destacar a oposição de ideias entre as duas escolas. Esse evento histórico ilustra como os debates e as rivalidades acadêmicas muitas vezes moldam a terminologia e a caracterização das diferentes correntes de pensamento em uma disciplina, como no caso da criminologia.

Beccaria (2001) reflete um dos princípios fundamentais da Escola Clássica da criminologia, da qual é um dos pensadores mais influentes. Ele argumenta que o livre-arbítrio desempenha um papel fundamental na determinação da existência do crime, enfatizando que os indivíduos têm o poder de escolher suas ações. Além disso, Beccaria (2001) destaca que a verdadeira medida dos delitos deve ser o dano causado à sociedade, indicando uma perspectiva utilitarista. Em suas palavras:


[...] o livre arbítrio é que determina a existência do crime [...] a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade. Estabelecendo, portanto, que a pena deveria ser imposta para que o castigo fosse rapidamente relacionado com o crime de forma mais justa e útil (BECCARIA, 2001, p. 51).


A ideia de que a punição deve estar relacionada de forma justa e útil ao crime é central na filosofia de Beccaria (2001). Ele argumenta que as penas devem ser proporcionais ao dano causado e que a justiça deve ser rápida, evitando a arbitrariedade e a crueldade nos sistemas de punição. Essa abordagem influenciou significativamente o desenvolvimento do sistema legal e penal em muitos países, promovendo a ideia de que as punições devem ser proporcionais e que o objetivo principal da justiça criminal é prevenir o crime e proteger a sociedade.

De efeito, no fim da segunda guerra mundial em 1945 surgiu o primeiro grande movimento de política criminal, denominado inicialmente como:Defesa Social, liderado pelo saudoso Felippo Gramática, humanista, cujo idealismo principal era abolir o direito penal. Adiante nos anos de 1954, chegamos a ―Nova Defesa Social, de Marc Ancel, tema geral discutidos por muitos vanguardeiros de brilhante quilate, conforme citações expressadas por Ancel (1971). E, como não poderia ser diferente, trazemos à baila o entendimento do autor sobre o tema:


[...] Desde logo, no entanto, necessário se faz compreender- e reter que, em suas significações diversas e sucessivas, por defesa social se entende essencialmente o objetivo que se atribui a reação anticriminal, e a maneira como se pretende organizá-la, em função de imperativos deliberadamente aceitos: desnecessário se torna dizer que pisamos indiscutivelmente o terreno da política criminal. Mas deve-se igualmente compreender e reter essa política criminal socio-humanista deve-se construir ou, se preferem, estruturar-se, distinguindo-se duas posições extremas que consistem uma, em basear a reação anticriminal num primitivo de defesa; a outra, em situá-la, deixando de lado o homem, ser racional, e à margem do sistema legal, expressão de toda sociedade civilizada. É nesse sentido que a defesa social, para cumprir a missão que lhe compete na reconstrução do mundo - e do seu direito-, deve saber se separar resolutamente das doutrinas vizinhas para se tornar, na plenitude da significação do termo, uma nova defesa social (ANCEL, 1971, p. 20-21).


Verifica-se que a ideia de que a defesa social deve evoluir e se adaptar às necessidades da sociedade moderna é central para Ancel (1971), indicando a importância de uma “nova defesa social” que seja capaz de reconstruir o mundo e o direito de maneira mais eficaz e justa. Essa reflexão ressoa nas discussões contemporâneas sobre políticas criminais que buscam equilibrar a prevenção do crime com a proteção dos direitos individuais e a promoção da justiça social.

O programa de Ancel venceu a ideia de Gramatica, eis que não colou o pensamento de acabar de uma vez por todas com o direito penal, prevalecendo a nova defesa social. Posteriormente, nasceu o movimento da Novíssima Defesa Social, defendido por (2013), com características voltadas para um sistema de política criminal garantista, com extrema valorização da dignidade da pessoa humana, absolutamente contrário ao punitivo-retributivo. de infrações de menor potencialidade, ao mesmo tempo em que se promove a busca por métodos alternativos à prisão, como a despenalização. Contudo, recentemente, surgiu o lamentável Movimento de Lei e Ordem, que representa uma inversão na abordagem da defesa social. Esse movimento baseia-se em discursos autoritários, defende a penalização extrema e se apoia no antigo paradigma punitivo-retributivo. Em última análise, ele justifica a imposição de penas por meio de castigos considerados proporcionais à gravidade dos delitos cometidos. No entanto, é nossa convicção que esse movimento está destinado ao insucesso desde o início.

O Movimento de Lei e Ordem, apesar de suas fórmulas e métodos aparentemente milagrosos, promovidos por políticos em exercício, não oferece uma solução eficaz para o problema da criminalidade. Ao aumentar as penas e as sanções, ele cria uma ilusão de segurança na mente do público, mas, na realidade, não aborda as raízes complexas da questão criminal. Vale ressaltar que o Brasil já experimentou essa abordagem punitiva extrema durante os anos da ditadura, sem obter sucesso na redução da criminalidade, que continua a persistir e até mesmo a crescer.

Portanto, é fundamental reconhecer que o Movimento de Lei e Ordem, embora possa parecer atraente em sua retórica, não oferece uma solução eficaz para os desafios da criminalidade. Em vez disso, é preciso buscar abordagens mais abrangentes e baseadas em evidências para combater o crime, levando em consideração não apenas as penas, mas também as causas subjacentes e as medidas preventivas.

A cadeia não resolve o problema penal, nesse sentido: “Soltam feras e prendem homens. Domesticam feras e animalizam homens. Prisão nem para bichos” (LYRA, 2013, p. 57). O movimento de lei e ordem é o chamado direito penal do inimigo. De toda sorte, que a pena com a finalidade de prevenção geral está positivada no ordenamento jurídico pátrio, e mais, incutida na mente da população, principalmente como fruto da reprodução em terras tupiniquins de uma tendência originária das mais reacionárias facções das elites ianques: O Movimento Lei e Ordem.

O último movimento mencionado é o da nova política criminal alternativa, derivada da nova criminologia, cuja inspiração reside na abolição da pena privativa de liberdade e na promoção de medidas alternativas à prisão. Este movimento se opõe ao paradigma de lei e ordem, destacando-se pela sua firme orientação em direção aos princípios de igualdade e fraternidade. Essa temática foi amplamente explorada por Araújo Junior (1991).

É lamentável que, sem nunca pretender trazer questões políticas pessoais para o âmbito acadêmico, vivamos em um contexto governamental profundamente comprometido com o extremismo do movimento de lei e ordem, com atuações em todos os poderes da República. Portanto, estamos verdadeiramente diante de tempos desafiadores. No entanto, nossa luta em prol do direito humanitário continua, em respeito a todas as gerações que batalharam por um sistema de direito penal pautado na garantia de direitos.

O fato é que, invariavelmente, a pena como prevenção geral (mente) falha. Para Cleber Masson (2011), são destacados dessa teoria alguns respeitáveis mandamentos: o cárcere é inútil e prejudicial; as penas devem ser substituídas por medidas educativas e curativas; a penalidade deve ser medida na personalidade, não na gravidade do dano; a causa do crime está na desorganização social.

Os estabelecimentos penais precisam equilibrar sua capacidade com sua estrutura e finalidade. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNCP) desempenha um papel importante ao definir a capacidade máxima dessas instituições, levando em consideração suas características únicas. Além disso, as penas privativas de liberdade podem ser cumpridas em unidades diferentes, seja em estabelecimentos locais ou federais, proporcionando flexibilidade ao sistema. Em casos excepcionais, é permitido construir unidades penais em áreas distantes das condenações, justificadas pela segurança pública ou necessidades do sentenciado.

Os estabelecimentos penais são projetados para reintegrar os indivíduos à sociedade, considerando sua natureza e propósito. As atividades laborais, como trabalhos públicos ou empregos em terras improdutivas, podem ser oferecidas a liberados e egressos. A escolha do estabelecimento prisional apropriado para presos provisórios ou condenados, levando em conta o regime e as condições estabelecidas, é uma responsabilidade das autoridades administrativas e judiciais.

No entanto, é importante reconhecer que, em muitos casos, o sistema prisional enfrenta desafios significativos que afetam a dignidade humana. Apesar das disposições legais, observa-se um colapso em muitas instituições, o que destaca a necessidade de melhorias. Enquanto a pena tem o propósito de prevenir e reprimir o crime, também deve oferecer oportunidades de ressocialização, pois os condenados eventualmente retornarão à sociedade após o cumprimento de suas penas. Portanto, a busca por soluções que equilibrem a punição com a reintegração social continua sendo um desafio importante.

Acreditamos firmemente que educar é uma alternativa muito mais eficaz do que prender. Nessa perspectiva, acreditamos que investir em educação hoje é a chave para evitar prisões no futuro. A influência da novíssima defesa social em nosso pensamento nos leva a considerar que a pena de prisão não promove a regeneração do indivíduo, mas, ao contrário, o embrutece e o degrada. A prisão não contribui para a formação de cidadãos conscientes, mas, em vez disso, cria cínicos e hipócritas. Ela funciona como uma verdadeira escola do crime, desumanizando o indivíduo e incentivando a reincidência.

Em concordância com as palavras de Roberto Lyra (2013), podemos concluir que, independentemente do propósito atribuído à pena, a prisão se revela contraproducente. Ela não intimida nem regenera, mas sim embrutece e perverte. A prisão insensibiliza ou revolta, desumaniza e aliena o indivíduo, retirando-lhe sua identidade. Ela não cumpre suas funções declaradas e, ao contrário do que se pretende, gera cínicos e hipócritas. A prisão é uma fábrica e escola de reincidência, transformando indivíduos em criminosos profissionais. Nossa visão está alinhada com a ideia de que é preciso repensar o sistema penal e priorizar estratégias de educação e prevenção, a fim de verdadeiramente combater a criminalidade e promover uma sociedade mais justa e inclusiva.


4 A IMPRECISÃO TEÓRICA DA CRIMINALIZAÇÃO DE UMA IDEOLOGIA


Na concepção clássica do Direito Penal, este era visto como um instrumento para garantir a liberdade dos cidadãos. No entanto, na modernidade, o direito penal assumiu o papel central na resolução de conflitos, com um enfoque preventivo predominante. Isso se reflete na ampliação dos delitos de perigo abstrato, que não requerem a comprovação de um dano real, facilitando a aplicação antecipada das penas (Hassemer, 2007).

Ferrajoli (2014), ao abordar o “modelo punitivo irracional”, que se baseia na simples prevenção do delito, identifica características desse sistema em que não há limites claros para a intervenção penal do Estado, levando a um aumento do poder punitivo. Nesse contexto, o direito e o processo penal evoluem de sistemas de retribuição, focados na punição dos crimes já cometidos, para sistemas de pura prevenção, destinados a enfrentar suspeitas de crimes não provados ou ameaças de delitos futuros (Ferrajoli, 2014).

Essa discussão sobre a prevenção se torna ainda mais complexa quando se trata do sistema prisional, que está intimamente ligado a questões ideológicas. Definir o que constituiria uma “organização prisioneiro” é complicado, uma vez que não se pode simplesmente adotar critérios dogmáticos de definição. Os crimes cometidos no contexto de uma estratégia prisioneiro são motivados por uma causa específica e têm como objetivo causar medo e insegurança em nome de uma ideologia política ou religiosa. No entanto, identificar esse aspecto subjetivo na prática é desafiador e não se resume à imagem estereotipada de criminosos extremistas (terroristas) (Ferrajoli, 2014).

No contexto internacional, várias jurisdições lidaram com a criminalização da adesão ou participação em organizações prisioneiro, bem como com a apologia a tais grupos. Por exemplo, no Reino Unido, o Terrorism Act 2006 não apenas tornou crime a adesão ou participação em uma organização prisioneiro, mas também previu punições para manifestações que pudessem ser interpretadas como defesa ou apoio a essas organizações. Em Portugal, o artigo 300, número 1, do Código Penal também tratou da criminalização semelhante, mas foi posteriormente revogado pela Lei nº 52/2003. Na Alemanha, a “apologia à associação prisioneiro” é considerada uma modalidade do próprio crime de associação. Na Espanha, os tribunais têm ampliado a definição de colaboração nos últimos anos, incluindo condutas de apoio ideológico (Meliá, 2014).

A jurisprudência italiana também abordou o tema, buscando uma interpretação que conciliasse o artigo 270-bis do Código Penal italiano, que criminaliza a associação com fins prisioneiros, com os direitos à liberdade de associação e à livre expressão de pensamentos. Como solução, adotou-se o requisito de uma periculosidade concreta da associação, exigindo a existência de um programa criminoso sério, concreto e atual, que vá além do compartilhamento ideológico (Gamberini; Fronza, 2014).

Além disso, é importante considerar que crimes ideológicos não podem ser avaliados apenas com base em resultados materiais, uma vez que o resultado causal reflete a ideologia subjacente. Em casos em que os autores atuam como instrumentos para fins políticos-ideológicos, agindo em nome de uma organização de poder, as categorias típicas do direito penal podem não ser adequadas para lidar com o problema. A ideologia compartilhada pelos membros do grupo cria uma união em prol de uma causa maior, que justifica a existência da organização, mas isso não se encaixa facilmente nas estruturas típicas do direito penal (Jakobs, 2012).

No entanto, punir a adesão a uma causa, mesmo que controversa, sem uma análise adequada da culpabilidade, pode ser um retrocesso para a tirania e transformar o direito penal em uma ferramenta de opressão. Um exemplo disso é a Lei Federal nº 13.260/2016 no Brasil, que tipifica o crime de prisioneiro de forma excessivamente vaga, permitindo seu uso como instrumento político contra alvos estereotipados. Portanto, é essencial ampliar a discussão sobre a inadequação de usar o direito penal como último recurso (Roxin, 2009).

A abordagem proposta por Roxin (2009), que destaca a necessidade de considerar motivos além da ideologia ao aplicar o direito penal, é fundamental. Isso significa avaliar cuidadosamente a conduta de uma pessoa, seus atos concretos e sua capacidade de representar uma ameaça real à sociedade. Além disso, é importante reconhecer que a criminalização excessiva pode corroer os valores democráticos e a liberdade de expressão. Portanto, as sociedades devem buscar um equilíbrio entre a segurança pública e a proteção dos direitos individuais, garantindo que o direito penal seja aplicado de maneira justa e proporcional.


5 CONCLUSÃO


A ideia principal deste trabalho foi trazer à tona os movimentos de política criminal dos nossos tempos, ao nosso pensar há muito esquecidos, traçando suas características e indicando seus precursores e aqui fechamos em defesa da novíssima defesa social para que em nossa nação se tenha prevalência máxima da dignidade da pessoa humana em oposição ao malfadado movimento de lei e ordem, posto que o problema da criminalidade não se resolve ou se controla com punição exagerada e violência social, certo que o que o pais mais precisa é de educação e não de prisão, pois, se a cadeia solucionasse a criminalidade no Brasil, a exemplo não necessitaríamos ter o Bangu 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10... . Prisão um caminho sem volta, verdadeiro estigma do homem, pelo fim das prisões.


REFERÊNCIAS


ARAÚJO JUNIOR, João Marcello de Araújo. Sistema Penal para o terceiro Milênio. 2.Ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991.


BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas: São Paulo: Martin Claret, 2001.


FERRAJOLI, Luigi. La democracia a través de los derechos: el constitucionalismo garantista como modelo teórico y como proyecto político. La democracia a traves de los derechos, p. 0-0, 2014.


GAMBERINI, Alessandro; FRONZA, Emanuela. La disciplina dei fenomeni terroristici in Italia:: Spunti di riflessione tra vecchi strumenti e nuovi conflitti. In: Terrorismo e justiça penal: Reflexôes sobre a eficiência eo garantismo. 2014. p. 243-271.


GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.


JAKOBS, Moritz. Standardsetzung im Lichte der europäischen Wettbewerbsregeln. Nomos Verlagsgesellschaft mbH & Co. KG, 2012.


LYRA. Roberto. Penitência de um Penitenciarista. Belo Horizonte-MG: Ed. Lider, 2013.


MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral, vol. 1, 5ª edição. São Paulo: Método, 2011.


ROXIN, Claus. Evolución y modernas tendencias de la teoría del delito en Alemania. Boletín de la Universidad del Museo Social Argentino, v. 11, p. 85, 2009.




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