Ano III, v.3, ed. 2, set./ dez. 2023. DOI: 10.51473/ed.al.v3i2.777 | submissão: 05/12/2023 | aceito: 07/12/2023 | publicação: 09/12/2023
RACISMO RELIGIOSO: A CRIMINALIZAÇÃO DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Anderson Silva Dias
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como intenção analisar a questão da Intolerância Religiosa, a criminalização da intolerância religiosa no direito penal brasileiro e por meio deste exame, avaliar os seus desdobramentos e impactos sociais. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental, sendo o método utilizado o da compilação ou o bibliográfico, que consiste na exposição do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema escolhido.
A pesquisa justifica-se pela relevância que a matéria da religiosidade urbana, portanto social, adquiriu na história do Brasil e de maneira especial, na contemporaneidade Justifica-se também por ser a religião um “fato social” e, por conseguinte um aspecto central na cultura da nação brasileira. Assim sendo, é fundamental conhecer, estudar e analisar alguns conceitos relativos ao assunto, uma vez que se trata de prerrogativa constitucional e princípio consagrado de Direitos Humanos, que garante a todos a liberdade de crença.
Como objetivo geral do estudo definiu-se a necessidade de se verificar sob a égide do Direito brasileiro, a questão da Intolerância Religiosa e seus desdobramentos e como objetivos específicos definir e caracterizar os conceitos de. Tolerância, Intolerância e Liberdade religiosa; analisar a legislação brasileira relativa à Liberdade Religiosa; examinar os principais casos de Intolerância Religiosa registrados no Brasil e avaliar os impactos que tais condutas podem desencadear na sociedade brasileira.
A intolerância religiosa é uma forma de preconceito por conta da religião. Geralmente, a intolerância religiosa manifesta-se por meio de discriminação, profanação e agressões. “Infelizmente, a intolerância religiosa ainda é uma realidade que assola comunidades em todo o mundo. No Brasil, esse problema está relacionado majoritariamente ao racismo, pois a intolerância religiosa é praticada, em maior escala, contra os adeptos das religiões de matriz africana”.
2 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Brasil é o país com a maior população negra fora da África em números absolutos. No entanto, esta população, a maioria da sociedade brasileira, está sub-representação em todas as áreas da vida social. Isso porque, apesar da igualdade jurídica, ainda existem mecanismos discriminatórios informais que filtram seu acesso a oportunidades, qualificações e possibilidades e tomada de decisões.
O racismo no Brasil foi moldado por mais de três séculos de escravidão e pelas teorias racistas envolvidas na construção da identidade nacional.
Após a abolição, a ausência do Estado na integração dos negros, proporcionando as condições materiais e políticas para a sua participação numa sociedade livre, garantiu a sobrevivência e aboliu a mentalidade e as práticas de escravatura nas estruturas da república.
De 1501 a 1870, mais de 12,5 milhões de africanos foram raptados, vendidos como escravos e transportados para o continente americano. Destes, 1 em cada 4 foi enviado para o Brasil, ou cerca de 4,8 milhões até a segunda metade do século IX.
Cerca de 20%, ou 1,8 milhões, não chegaram ao destino – morreram de escorbuto, varíola, sarampo, sífilis, disenteria e até mesmo a brutalidade dos traficantes de seres humanos. Os mortos muitas vezes ficavam durante dias ao lado dos vivos em navios negreiros, até serem jogados ao mar.
O registro oficial de desembarque de escravos no Brasil remonta ao ano 1530, quando começou a surgir a produção de cana-de-açúcar. O auge do comércio de escravos no Brasil ocorreu entre 1800 e 1850. A maioria dos negros que desembarcaram aqui veio de Angola, Congo, Moçambique e Golfo do Benin.
As precárias condições de higiene, alimentação e descanso, as viagens cansativas e os brutais castigos físicos que sofriam limitavam a vida dos escravos a uma média de 25 anos.
Na segunda metade do século XIX, o Brasil experimentou uma grande população negra, um aumento nas fugas e na formação de quilombos, e a pressão internacional especialmente da Grã-Bretanha - para acabar com a escravidão, as regulamentações e a necessidade de adaptação à expansão do capitalismo.
O Brasil foi o maior território escravista do Hemisfério Ocidental, o último a erradicar o tráfico de escravos – com a Lei Eusébio de Queirós em 1850 – e também o último a abolir a escravidão, que ocorreu por meio da Lei Áurea, em 1888.
Segundo o historiador Luiz Felipe Alencastro, o que estava em jogo no contexto da abolição não era apenas a liberdade dos escravos, mas também o medo da reforma agrária. O abolicionista André Rebouças, engenheiro negro, propôs taxar as fazendas improdutivas e distribuir essas terras aos ex-escravos.
Porém, houve um acordo entre os latifundiários e o movimento republicano para que a propriedade rural fosse preservada e a liberdade fosse dada aos negros sem remuneração ou integração alternativa no mercado de trabalho para os homens livres.
Com isso, os latifundiários passaram a trazer imigrantes europeus para trabalhar a terra, e os ex-escravos, mesmo brasileiros, ficaram sem trabalho no meio rural e na cidade, além de não gozarem de plenos direitos de cidadania - uma grande parte são analfabetos e, portanto, não podem votar.
Além disso, a prática da escravidão com seus severos castigos físicos fez com que no Brasil a tortura fosse legalizada contra escravos. Após a sua abolição, a prática de espancamentos se difundiu e continuou a ser praticada por policiais, mesmo sendo proibida por lei. O mecanismo de repressão escrava existiu durante a escravidão.
As religiões de origem africana fazem parte da diversidade religiosa do Brasil. Entre essas expressões, que remetem à cultura que os africanos trouxeram consigo durante mais de 300 anos de escravidão, estão o Catimbo, a Cabra e, sobretudo, a Umbanda e o Candomblé, que se espalharam ainda mais fortemente pelo Brasil.
Membros de religiões africanas têm sido perseguidos por praticarem a sua fé desde a sua chegada ao Brasil. Mas ainda hoje, em 2015, episódios de intolerância religiosa fazem parte da vida quotidiana.
No âmbito da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024), as Nações Unidas destacam estas representações do Brasil, que tem fortes laços com a África. Poderíamos pensar em uma junção entre África e o Brasil, e que essas junções se tornariam candomblé e umbanda.
O candomblé é uma religião de matriz africana, a sua origem está na África, sobretudo no sudoeste da África. É uma religião brasileira e que se constituiu não só com essa matriz, mas com o sincretismo a partir da relação com o cristianismo, com cultos e vivências indígenas.
A umbanda tem outra forma de sincretizar além dessa construção africanista porque promove outras relações com o misticismo, valores ciganos, kardecistas e hinduístas”, explicou, em entrevista exclusiva ao Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio), o babalorixá Márcio de Jagun, ressaltando que, para os detratores, tanto os candomblecistas quanto os umbandistas são chamados de “macumbeiros”.
Apesar da influência africana desde o século XVI, o candomblé e a umbanda se consolidaram na sociedade brasileira nos últimos 200 anos, principalmente no início do século XX, quando o público pôde ter conhecimento das práticas a partir, por exemplo, das pesquisas de Pierre Verger, etnólogo francês e babalawo, que dedicou a maior parte de sua vida ao estudo da diáspora africana e ao comércio de escravos.
Estas práticas religiosas de base africana estão ligadas não só aos escravos, mas também à comida, à música, aos têxteis e aos costumes das colónias. Exemplo deste sincretismo é a indumentária e a culinária agregadas ao culto com referência aos costumes portugueses.
De acordo com o censo do final de 2010, menos de 1% da população brasileira pratica religiões de origem africana. Mas este universo não corresponde à realidade, porque não representa o número de pessoas que, juntamente com outras religiões, aderem aos cultos afro-americanos.
Documentos do IBGE (2019) dizem que existem cerca de 407 mil seguidores da Umbanda, 167 mil seguidores do Candomblé e cerca de 14 mil outros seguidores religiosos de origem africana. “O último censo mostra a diversificação do setor religioso. O catolicismo, religião hegemônica, está em declínio, abrindo espaço para o crescimento dos neopentecostais. As pessoas de ascendência africana representam menos de 1%.”
O que alguns especialistas dizem, e eu concordo, é que esse número está subestimado. Mais pesquisas precisam ser feitas para ver como isso pode ser aproximado pela religiosidade brasileira. No passado, sabemos que em muitos terreiros algumas cerimônias eram realizadas em igrejas católicas.
Portanto, é aceitável afirmar que uma pessoa segue mais de uma religião”, explica a antropóloga Sonia Giacomini. Reconhecendo a necessidade de estudar e divulgar as atividades realizadas nas casas, um estudo coordenado por Giacomin e desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Reflexão e Memória de Descendentes Afro-Americanos da PUC-Rio mapeará os 847 terreiros do Rio de Janeiro.
Os resultados foram publicados no livro Presença do Axé. O “Mapeamento dos Terreiros do Rio de Janeiro” também revelou um mapa da intolerância religiosa.
A maior parte das questões deste estudo, também formuladas pelo pesquisador Dennis Pini, giravam em torno de como funciona a casa.
Além dessas questões, os conselhos religiosos têm outra questão muito importante: decidi que tinha minhas dúvidas. Se a casa foi alvo de um incidente de discriminação. As respostas foram tão detalhadas que conseguimos identificar quem era o autor e quem era a vítima, criando assim um mapa da intolerância. (BRASIL, Mapeamento de Terreiros do Rio de Janeiro, 2020).
Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, só em 2013 foram registradas 39 denúncias no Disque 100, o que dá ao Rio o título de maior número de reclamantes de todo o Brasil, embora seu histórico continue bastante instável.
A Secretaria Nacional de Direitos Humanos (2013) registrou até agora 500 casos de intolerância religiosa ao longo de sua história. Este número não corresponde ao cenário atual, especialmente porque muitos dos incidentes que deveriam ser registados como intolerância religiosa são classificados como brigas de vizinhança, insultos ou difamações.
A intolerância religiosa está presente na história brasileira desde a chegada dos portugueses, pois as primeiras missões tinham a intenção expressa de converter índios e escravos ao catolicismo. Ao longo dos séculos, esta ideia parece ter persistido.
Desde o aparentemente inofensivo ‘chuta que é macumba’, o aspecto sujo de usar branco e uma coleira no pescoço, até atos mais violentos como o apedrejamento. O racismo religioso é real no Brasil. E, vários casos foram notificados no último semestre na Bahia.
Ao falar de intolerância religiosa a gente acaba tratando dos sintomas e não da doença. A gente acaba lidando com as manifestações e não com a estrutura em si. E eu acho que não adianta a gente lidar o tempo todo com os casos, mesmo que juridicamente, se a gente não consegue chegar na estrutura racializada do nosso país, do Estado, e a partir disso enfrentar o problema que é desestruturar esse racismo”, ressalta Gabriela Ramos (2020), advogada, Yá Leyn do Ilê Axé Abassá de Ogum.
Ramos (2020) disse que o uso do termo “intolerância religiosa” em casos de apedrejamento de templos e abusos verbais por parte de evangélicos revela certos aspectos do problema que fazem parte do racismo estrutural e explica que isso muitas vezes leva à individualização.
As religiões africanas têm sido alvo de preconceito e discriminação ao longo da sua história. Eles foram reprimidos pela polícia e difamados pela imprensa, e suportaram o peso das preocupações intelectuais sobre a capacidade do Brasil de se estabelecer como uma nação moderna, sendo rotulados de bruxaria, uma ameaça à saúde pública e charlatanismo (Giumbelli, 2018); Johnson, 2001; Maggie, 1992; Montero, 2009).
O estatuto jurídico destas religiões permanece precário até hoje. Eles só são reconhecidos como religião pela Constituição dos Cidadãos de 1988, mas os seus seguidores ainda lutam para que os seus direitos religiosos sejam reconhecidos.
Embora algumas religiões de origem africana, especialmente o Candomblé e a Umbanda, tenham sido celebrados como símbolos da herança cultural africana ou inerentes à raça mista no Brasil desde a década de 1930, estes estereótipos negativos sobre elas permanecem fortes em todos os setores da sociedade.
É neste contexto que ocorreu a guerra contra as religiões de origem africana, travada desde a década de 1980 por uma série de igrejas protestantes, incluindo, mas não se limitando à Igreja Universal do Reino de Deus.
Que recursos têm os adeptos de religiões de matriz africana para recorrer nessa situação? O que eles podem fazer se nem os agentes do Estado têm controle sobre os territórios em questão? É possível esperar atenção e preo-cupação por parte das autoridades estatais? O artigo de Ana Paula Mendes de Miranda, A “política dos terreiros” contra o racismo religioso e as políticas “cristofascistas” (2021, neste número), responde a essas questões por meio de atenta análise das formas como os ataques cada vez mais violentos às religiões de matriz africana estão embutidos em um emaranhado mais amplo entre os evangelicalismo e a ideologia racial estão profundamente enraizados no pensamento brasileiro (Miranda, 2021, nesta edição).
Miranda argumenta que essa ligação constitui uma forma exclusivamente brasileira de “política fascista cristã”, um termo emprestado de Sölle (1970) e Heyward (1999), que busca não apenas colocar o cristianismo no centro da política, mas também é racista em seu significado. Sua orientação.
Miranda descreve como os seguidores das religiões africanas têm procurado responder a esta situação com um “terrível política” de resignação que chama a atenção do público e do Estado para a natureza racial dos ataques.
Controvérsia sobre o uso generalizado do termo “intolerância religiosa” para descrever ataques porque sugere que podem ser superados através da tolerância, os seguidores destas religiões dizem que devem ser considerados uma forma de racismo religioso ou genocídio religioso contra os negros.
Miranda explica que estes novos termos efetivamente reformulam a percepção dos ataques, tanto por parte dos cidadãos como das autoridades, como de natureza racial e política, e não religiosa e moral, como tinham sido tratados até então com esta abordagem, exigem uma resposta política mais dura do governo. Tanto a recente adopção do termo “racismo religioso” por alguns funcionários públicos como vários programas governamentais implementados nos últimos anos destinados a prevenir a violência contra as origens africanas sugerem que os esforços destes ativistas foram bem recebidos pelos seus alvos. Ao mesmo tempo, porém, como descreve Miranda, estes esforços também enfrentaram oposição de outras agências estatais que nem sequer consideravam as religiões de origem africana como religiões e, mais importante ainda, de estruturas estatais que, de várias formas, ignoram ou minimizam a religião africana. Ademais,
No seu ensaio, Miranda dá especial atenção à forma como o conceito legal de liberdade religiosa, num julgamento de 2014, privilegiou agressores cristãos, causando desvantagens às suas vítimas. Questionando o uso generalizado do vocábulo “intolerância religiosa” para descrever os ataques porque sugere que poder ser remediados através da tolerância, os seguidores destas religiões argumentam que deveriam ser considerados uma forma de racismo religioso ou genocídio religioso contra negros. No país Miranda explica que esses novos termos reconfiguram efetivamente a percepção dos ataques, tanto por parte da população quanto das autoridades, como de natureza racial e política, e não religiosa e moral, como eram tratados até então. Com esta abordagem eles exigem uma resposta política mais forte das autoridades.
Tanto a recente adopção do vocábulo “racismo religioso” por alguns comediantes estatais como os vários programas governamentais introduzidos nos últimos anos para reduzir a violência contra as religiões baseadas em África sugerem que estes esforços ativistas são bem recebidos pelos públicos a que se destinam. Contudo, ao mesmo tempo, como descreve Miranda, estes esforços também têm esbarrado em outras autoridades estatais que nem sequer consideram as religiões de origem africana como religiões e, mais importante ainda, em estruturas estatais que, de várias formas, desconheceram ou minimizam as religiões africanas. Apoiantes da luta contra a discriminação e os ataques por motivos religiosos. No seu ensaio, Miranda chama especial atenção para a forma como a implementação do conceito jurídico de liberdade religiosa, num julgamento de 2014, privilegiou as liberdades dos agressores cristãos em detrimento das suas vítimas.
Neste artigo, estendo a análise de Miranda sobre a relação entre as ideologias raciais brasileiras e a hostilidade às religiões de matriz africana, bem como a “política dos terreiros” advinda dessa relação, situando-os na história do direito e da militância que se dirige para a governança estatal de diferenças religiosas e raciais. Particularmente, examino como as noções de racismo religioso, de discriminação e preconceito religioso e de liberdade religiosa foram e são articuladas de várias maneiras por militantes de religiões de matriz africana e por tribunais brasileiros e analiso as implicações dessas articulações para uma abordagem do Estado em relação às religiões de matriz africana e ao cristianismo evangélico.
Nessa perspectiva, procuro compreender como as análises críticas encaminhadas por adeptos das religiões de matriz africana, de um lado, e pelos operadores da lei de outro, se posicionam em um contexto mais amplo de debates sobre o tipo de sociedade que o Brasil é e deveria ser. Para desenvolver esta análise, utilizo pesquisas que realizei com militantes de religiões de matriz africana em Salvador desde 2008, bem como pesquisas que desenvolvo atualmente a respeito da constituição legal de ataques a religiões de matriz africana no Rio de Janeiro. O sustenta uma posição ambivalente quanto aos ataques perpetrados contra as religiões de matriz africana. Se, à primeira vista, parece não compactuar com a violência, na condição de árbitro e garantidor de direitos, percebe-se, com uma observação mais atenta, que ele está vinculado a ela de várias maneiras. O Estado não é apenas o principal perpetrador de violência contra as religiões de matriz africana em âmbito histórico, mas também continua privilegiando cristãos e liberdades religiosas cristãs acima das religiões de matriz africana e dos direitos de seus adeptos.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ordem pública é fundamental para o Estado de direito, mas é também um meio de expressar e reforçar certos imaginários nacionais. Na análise de Agrama, isto é especialmente evidente no tratamento jurídico da religião.
Como demonstra o autor no caso do Egito, a ordem pública é a justificação para a gestão das minorias religiosas. Historicamente, o conceito de ordem pública também tem sido central para a gestão das minorias religiosas no Brasil.
Até 1988, a prática de religiões não católicas estava limitada a espaços privados e locais de culto, bem como a práticas consistentes com convenções de “ordem pública” e “moralidade”.
No entanto, a Constituição de 1988 eliminou esta forma de restrição à prática religiosa. Na ausência destas restrições, o debate na arena jurídica e política voltou-se para outros princípios, com particular ênfase na liberdade religiosa, mas, como sugiro neste artigo, também sobre a discriminação e os preconceitos religiosos e raciais.
Como sugeri acima, os debates sobre o caráter e os contornos desses princípios refletem e procuram abordar preocupações profundas sobre a evolução da relação entre Estado e religião no Brasil.
No entanto, ao mesmo tempo, estes conceitos e a forma como são definidos pelo sistema jurídico permanecem ligados aos imaginários raciais e religiosos específicos de cada país, como evidenciado pela resposta jurídica à discriminação e ao preconceito racial e religioso.
Tal como detalhado acima, o potencial transformador destes instrumentos jurídicos é severamente limitado pelo seu foco nos perpetradores individuais e nas suas intenções e pela sua capacidade limitada para lidar com crimes contra grupos não raciais ou religiosos identificados individualmente.
Essas ferramentas não apenas reforçam a caracterização desses crimes como incidentes separados, mas também reproduzem e fortalecem a Motivam algo isolado, moralmente distintivo e fundamentalmente localizado além do que poderia ser considerado “brasileiro”. Como resultado, contribuem para a contínua ignorância e apagamento dos antagonismos e desigualdades religiosas e raciais que moldam as interações sociais e a própria sociedade no Brasil.
REFERÊNCIAS
MIRANDA, Ana Paula M. de. Entre o privado e o público: considerações sobre a (in)criminação da intolerância religiosa. Anuário Antropológico, n. 2, p. 125-152, 2010.
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. A “política dos terreiros” contra o racismo religioso e as políticas “cristofascistas”. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, 2021.
NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância Religiosa, Editora: Pólen Livros; Edição: 1, 2020.
SILVA, Luiz Gustavo. O chute e a santa: intolerância e conflito religioso no brasil contemporâneo - 1ªed, 2014.
OBALERA DE DEUS, Lucas. Por uma perspectiva afroreligiosa: Estra-tégias de enfrentamento ao racismo religioso. Rio de Janeiro: Caderno Religião e Política, 2019.